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A construção da Universidade: como podemos ampliar se somos torre de marfim?

Por Allanis Pedrosa*

“O pessoal que está falando que está faltando dinheiro, por favor, mostrem para a gente aqui, venham mostrar os números, abram o balanço das universidades, dessas torres de marfim que custam, na média, R$ 1 bilhão por ano.” Menos de seis meses e o Ministério da Educação, Abraham Weintraub, já apresentou o que acha das nossas universidades: torres de marfim que gastam muito dinheiro.

Os cortes de 30% na educação nos colocam em uma situação catastrófica: como manter os laboratórios de pesquisa, como aqueles que estão trabalhando na vacina do vírus zika? Como custear a esterilização dos equipamentos de cirurgia dos hospitais universitários? Já para o mês de julho todos os restaurantes universitários da UFPR serão fechados. Foi-nos dito que o “ajuste no orçamento” seria para priorizar a educação básica, mas então vimos a contradição estampada: R$ 2,4 bilhões cortados, da educação infantil ao ensino médio.

É a Constituição Federal da República servindo de quadro decorativo. Artigo 205: “A educação, direito de todos e dever do Estado”; artigo 207: “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial” – , palavras bonitas de um poema que querem a todo custo nos fazer esquecer.

Mas nós reagimos! Os dias 15 e 30 de maio denunciamos nas ruas e apelamos: não podem nos asfixiar, ainda somos os primeiros das nossas famílias a entrar na universidade pública!

Os atos foram bonitos, fomos milhões em incontáveis cidades, no entanto, ainda somos poucos. Estamos falando somente para os já convencidos. Precisamos ampliar nossa capacidade de diálogo e convencer pelo menos o triplo de pessoas do que somos hoje; que na educação não se gasta, mas se investe, que cortar da universidade é cortar o desenvolvimento de uma nação. Ampliar a força de um discurso que ainda precisa ecoar muitas vozes.

Mas como podemos ampliar sendo torres de marfim? O povo só vai defender as nossas universidades e escolas quando ver importância nessas instituições em suas vidas, como parte de si.

Somente a comunidade acadêmica não é suficiente. Também não basta ocupar as praças com as mostras científicas. É preciso falar a mesma língua do povo. As palavras difíceis que aprendemos no espaço privilegiado da academia nos fazem mais sabidos. O juridiquês é cotidiano. Muitas vezes nos esquecemos de onde viemos.

Falta-nos entender e aplicar o tripé da universidade, a educação cidadã que questiona a realidade e muda a vida das pessoas para além de publicações em revistas acadêmicas. A extensão não é uma ponte do saber de um só sentido, é a troca de conhecimentos: o conhecimento “científico” e o conhecimento acumulado da experiência se entrelaçando. É ouvir com os pés no chão que pisamos juntos. Não ter respostas prontas pra quem trabalhou com a terra a vida inteira.

E ainda é pouco. Estamos ousando em propor um pouco mais: bebemos da experiência da Frente Sandinista de Libertação Nacional nos anos 1960 na Nicarágua ao pensar a partir do lema “Dos estudantes aos bairros!”.

Muitos de nós nunca saíram dos bairros, somos os cotistas, os primeiros da família a entrar numa universidade, mas é preciso fincar nossas raízes de modo que não sejamos estranhos ou superiores, e sim parte do povo. É ter um vínculo genuíno construído através de ações de solidariedade: mutirões de limpeza do bairro, pontos de saúde, iniciativas culturais, cursinhos populares…

O que nós enquanto estudantes de direito podemos fazer de útil? Temos os núcleos de assessoria jurídica que popularizam os direitos humanos para usar o direito como ferramenta que o povo possa entender e assim escolher os caminhos dos processos judiciais junto conosco. Não temos medo das multidões, nosso povo pode participar dos processos decisórios! E que tal fazer um curso no bairro mais próximo da faculdade como o “Promotoras Legais Populares”, com capacitação legal e de direitos das mulheres da comunidade, para defender os seus direitos a partir do seu cotidiano?

Nossas memórias estudantis vêm de longe… No trem da história, grande parte das insurreições, resistências e rupturas nós estávamos lá, levantando bandeiras e defendendo direitos. Fomos Helenira Rezende, estudante nota cem que empunhou a bandeira da justiça e da liberdade, assassinada na Guerrilha do Araguaia, mas fomos também Honestino Guimarães, um dos presidentes da União Nacional dos Estudantes nos anos de chumbo, desaparecido político.

Nós não somos apenas um rosto ou um nome, nós nascemos todos os dias em cada estudante que pinta um cartaz ou entoa sua voz em uma manifestação. A nossa tarefa, hoje mais do que nunca, é não ser só o futuro, mas o presente daqueles que constroem um projeto de educação necessário: em que o povo brasileiro é emancipado e protagonista da sua própria história. Podemos ser gigantes!

 

*Allanis Pedrosa é estudante de Direito da UFRJ, diretora da Federação Nacional dos Estudantes de Direito, militante do Levante Popular da Juventude e do Setor estudantil do IPDMS.

Edição: Daniela Stefano