Felipe Petri*
A disputa sobre a taxa de juros para o Presidente Lula se torna de fato crucial
Se o Presidente Lula iniciou a cruzada contra a política de juros do Banco Central, comandado pelo indicado de Bolsonaro, Roberto Campos Neto, sua bancada no Congresso promete intensificá-la ainda mais. Zeca Dirceu, líder do governo na Câmara, cobrou a presença do presidente do BC na casa para dar explicações: “Não se trata da fulanização do problema, mas sim, na presente conjuntura, de analisar as consequências das decisões. E o quadro é claro: a taxa de juros é absurda, exagerada, abusiva. É só fazer a comparação do juro real do Brasil com o de qualquer outro país. Campos Neto precisa explicar detalhadamente a razão de juros tão altos”, diz o petista em comunicado.
É evidente que o Brasil tem uma enorme taxa de juros e a sua manutenção entra em confronto direto com os planos de Lula de reaquecer a economia, gerar empregos e colocar o Brasil de volta na rota de crescimento. Os juros altos podem servir como remédio para aplacar a inflação, na medida em que diminuem investimentos e gastos, mas podem acabar por ser o remédio que mata o paciente doente. E assim como as funerárias, os únicos entes que se beneficiam com isso são os bancos e o mercado financeiro, “O fato é que qualquer segmento burocrático deve ter poder decisório, desde que no limite das diretrizes definidas por quem foi eleito pelo povo, limite que o exercício da autonomia na forma em que foi concedida tem buscado eliminar. Ilude-se quem acredita que a tecnocracia não pode ser capturada ou manipulada pelo setor financeiro, diretamente interessado nas decisões do BC”, diz Zeca, na mesma convocação.
Em se tratando da produção agrária brasileira, a união entre grandes instituições financeiras e o agronegócio das commodities é secular, devido aos altos retornos e garantias que o setor oferece no Brasil. No entanto, outro fato, um pouco menos intuitivo, é a oposição entre os interesses do agro e a soberania alimentar do brasileiro. Nos últimos anos, apesar de aumentos constantes de exportações (a soja aumentando em 20% e o milho quebrando novos recordes – só para citar exemplos de 2022), o que poderia sugerir mesas fartas, significou o contrário: o preço dos alimentos explodiu, jogando a inflação para o alto. O resultado, aliado à crise econômica trazida pela pandemia, foi de milhões de brasileiros sem ter o que comer ou sofrendo com algum grau de insegurança alimentar. Uma situação que não se via no país há décadas.
Não é de se estranhar que isso tenha acontecido. O governo Bolsonaro nunca escondeu para o que veio. Fortalecer o agronegócio exportador, os bancos e o mercado financeiro, a quaisquer que fossem as custas, não era segredo e sim plataforma oficial. Durante os últimos anos, o que se viu foi um aumento significativo do afluxo de capitais para o agronegócio. A financeirização do setor, fez com que os aportes alcançassem cifras inimagináveis. A mágica de mercado, gerando títulos a futuro, produtos derivativos e outras formas de especulação retroalimentadas, fazem com que uma mesma saca de soja, possa gerar, em especulação, várias vezes o seu próprio valor original. Há anos o mercado financeiro deixou de ser um meio para se tornar um fim em si mesmo.
Seguindo os fundamentos das trocas financeiras, não importa se há mercadoria transformada em alimento no prato do brasileiro, mexer com produtos financeiros é o que enriquece bolsos e esvaziam barrigas Brasil afora. A lógica financeira não converge interesses com a soberania alimentar do país. Portanto, um aumento na arrecadação pelo sistema financeiro, administrado por bancos e instituições financeiras, pode significar, e muito, ainda que indiretamente, um quadro pior de fome e exploração de corpos no mundo real, na medida em que crescem os investimentos no agronegócio de commodities nacional.
O Governo recém eleito, nos seus pouquíssimos dias de atuação, já conseguiu reverter alguns dos desmontes às políticas de soberania alimentar, aplicadas durante o governo Bolsonaro. A volta do Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional) e uma possível ampliação e fortalecimento de programas como o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) e o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), criados no escopo do programa Fome Zero, do seu primeiro governo, devem ajudar o pequeno agricultor e a agricultura familiar a respirar um pouco mais aliviados (e nós um pouco melhor nutridos).
No entanto, o sistema financeiro vai ser uma grande pedra no sapato de Lula se ele quiser de fato levar a cabo uma política de erradicação da fome e garantia da soberania alimentar. A briga pela diminuição da taxa básica de juros – que obviamente deve ser efetuada observando-se outros paliativos de controle inflacionário – é só a primeira de muitas quedas de braço que o presidente deverá travar. Diga-se de passagem, se o lulopetismo quiser se firmar como projeto viável e sustentável de país, regulações nos âmbitos fiscais, monetários e sobre o mercado financeiro no geral deverão ser muito mais diligentes do que foram em seu primeiro mandato.
No entanto, há ferramentas postas à disposição nesta volta da esquerda ao poder. CRAs – Certificados de Recebíveis do Agronegócio – que já foram usados pelo MST como forma de captação dentro do mercado financeiro – e outros produtos financeiros, podem e devem ser usados para compor carteiras de investimentos dos bancos públicos, quando os projetos financiados dialogarem com a sustentabilidade e soberania alimentar da população. A questão não é quais produtos financeiros usar e sim usar o sistema financeiro como um meio para um fim que agregue valor a todo um país.
As subvenções disponibilizadas ao agronegócio são inúmeras e também devem ser revistas. O BNDES por exemplo, hoje aplica mais recursos para o agro do que para indústria, ainda que este não seja seu foco principal de atuação. O governo também garante recursos milionários para garantir seguros de safras e emprega de 60% a 75% do Sistema Nacional de Crédito Rural em apenas quatro produtos: soja, café, cana e milho. Corrigir o foco dos investimentos é urgente e primordial para um Brasil que almeja saciar a fome de seus cidadãos.
A disputa sobre a taxa de juros para o Presidente Lula se torna de fato crucial. Ela pode ser o prenúncio de uma virada importante sobre a intenção do governo que sabe que tem que negociar com o mercado para conseguir viabilizar seu projeto de país. No entanto, a subida de tom não parece descabida. Não resta dúvida que as prioridades do mercado e dos cidadãos não coincidem, quiçá sejam até contrárias, e um governo que se comprometa com o povo, vai necessariamente passar por esses desgastes. Só resta saber, qual lado da corda vai ruir, já no curto prazo.
* Felipe Petri é engenheiro de produção, empresário, chef de cozinha e ativista.
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo