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Organizações de Santarém/PA e de todo o país lançaram nota pública em repúdio à sentença do juiz federal José Airton Aguiar Portela, que determinou a invalidação do processo administrativo de reconhecimento e demarcação da Terra Indígena Maró e declarou a inexistência de indígenas na Gleba Nova Olinda. A carta foi lida no último dia 09/12, durante ato realizado em frente à sede Justiça Federal de Santarém, com participação de aproximadamente 100 indígenas e apoiadores.

Conheça a campanha pela demarcação da Terra Indígena Maró
– Curta e acompanhe a página da campanha: https://www.facebook.com/somosterraindigenamaro
– Assine e divulgue a petição online em apoio à demarcação: http://migre.me/mFzFl
– Saiba mais sobre a história e a cultura da Terra Indígena Maró: http://migre.me/nlr4p

Eis a íntegra da Carta:

INDÍGENA SIM! Pela demarcação da Terra Indígena Maró

“São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.”

Artigo 231 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

“Os povos e pessoas indígenas são livres e iguais a todos os demais povos e indivíduos e têm o direito de não serem submetidos a nenhuma forma de discriminação no exercício de seus direitos, que esteja fundada, em particular, em sua origem ou identidade indígena.

Artigo 2º da Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas

Nós, abaixo-assinados, manifestamos repúdio à sentença proferida pelo juiz federal José Airton Aguiar Portela nos processos 2010.39.02.000249-0 e 2091-80.2010.4.01.3902, que determinou a invalidação do processo administrativo de reconhecimento e demarcação da Terra Indígena Maró e declarou a inexistência de indígenas na Gleba Nova Olinda, sem sequer ouvi-los.

A sentença consiste em mais um capítulo da violência simbólica e violadora de direitos contra os indígenas da etnia Borari/Arapium e institucionaliza e reafirma o preconceito e a invisibilidade dos indígenas da região do baixo e médio Tapajós, da região do Arapiuns e do planalto santareno espalhados em dezenas de aldeias pela região, provocando um “efeito dominó” em suas pretensões de demarcação dos seus territórios. Negando suas existências e seus territórios, nega-se também outros direitos decorrentes como a saúde indígena, a educação indígena diferenciada e o acesso à universidade, a defesa de sua cultura entre outras políticas públicas, já reconhecidas e implantadas pela Prefeitura de Santarém, FUNAI e a UFOPA, por exemplo. O argumento de que não há população indígena na região, mesmo que os números e os fatos digam o contrário, tem uma consequência desastrosa: não há direitos para quem não existe!

A decisão ignora o histórico de conflitos que perduram há anos naquela região. A Terra Indígena Maró está inserida numa vasta extensão de terras públicas devolutas sob jurisdição do Estado do Pará, numa região marcada pelo alto potencial de recursos naturais e pela multiplicidade cultural e de territorialidades tradicionais, além da indefinição fundiária e pelo abandono de políticas públicas pelo Estado que apenas beneficia a exploração madeireira industrial, fatos esses de conhecimento público, inclusive constando nos autos das ações judiciais ora julgadas, onde, aliás, as empresas madeireiras ofereceram seus próprios advogados para atuar na demanda proposta pelas comunidades contrárias a pretensão indígena.

Se, por um lado, a sentença do juiz José Airton Aguiar Portela desrespeita e descontextualiza o trabalho de antropólogos, inclusive o Relatório da Funai (tratados como “mais ativistas que propriamente cientistas”), por outro lado, o magistrado recria sua tese, ressuscitando ideias equivocadas e ultrapassadas, tanto do ponto de visto antropológico quanto jurídico, para reclassificar a condição étnica dos Borari/Arapium, utilizando os mesmos antropólogos que ora deslegitima.

O juiz questiona ainda a eficácia jurídica da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. Tal Convenção foi ratificada pelo Estado brasileiro em 2002 e integra o ordenamento jurídico, conforme definiu o Supremo Tribunal Federal em relação aos tratados e convenções internacionais de direitos humanos: A decisão desconsiderou a referida Convenção e o direito fundamental do povo Borari/Arapium à autoidentificação.

Em casos complexos como estes, espera-se que o Judiciário adote uma postura dialógica, convocando e construindo uma solução pacífica junto às instituições públicas responsáveis pela efetivação das políticas indígenas e fundiárias e os grupos sociais envolvidos, utilizando-se de diversas áreas do conhecimento, com o intuito de exercer sua função jurisdicional, a fim de garantir os direitos humanos, postura essa não adota pelo magistrado.

Repudiamos a decisão do juiz Airton Portela, exigimos o cumprimento do disposto na Constituição Federal e da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho acerca do direito ao autorreconhecimento da identidade indígena do Povo Borari/Arapium e a imediata reforma da decisão para o alcance da justiça. Sentença judicial alguma vai abafar essa luta, pois a História não caminha para trás.

Assinam:
Conselho Indígena Intercomunitário Arapiun/Borari
Conselho Indígena Tapajós Arapiuns – CITA
Grupo Consciência Indígena
Comissão Pastoral da Terra – Santarém
Terra de Direitos
Diretório Central dos Estudantes – UFOPA
União dos Estudantes de Ensino Superior de Santarém – UES
Coletivo Juntos
Conselho Indígena do Planalto
Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais – IPDMS
Conselho Indígena Missionário – Cimi