O Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais comunica o falecimento da professora Cecilia Caballero Lois, coordenadora do PPGD da UFRJ, após um súbito e grave problema de saúde.
A professora Cecília integrou a luta pela redemocratização do país na década de 1980 e dedicou praticamente toda sua vida à academia, graduou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal de Santa Maria (1989), mestre (1993) e doutora (2001) em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, onde também lecionou; e integrava o corpo docente da UFRJ, onde contribuiu, incansavelmente, pela estruturação e crescimento do Programa de Pós-Graduação em Direito. Sua trajetória de vida é uma inspiração para os pesquisadores da área do direito.
O IPMDS externa os votos de condolências aos familiares da professora, amigos e seus colegas de magistério superior.
Em homenagem à professora Cecília Caballero, iremos compartilhar a entrevista “Como escreve Cecilia Caballero Lois” concedida ao site “Como eu escrevo”.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu acordo muito cedo, hábito que adquiri desde que o Daniel nasceu. Como faço questão de acompanhar a sua ida para a escola mantenho esta rotina até hoje (mesmo ele já estando com quase 15 anos). Encaminhada esta etapa, tenho outro hábito que me acompanha desde a época que morava no Rio Grande do Sul. Todos os dias (ou, pelo menos, quando estou em casa) faço meu chimarrão e passo a manhã com ele. Sem esta companhia não consigo estudar, escrever, produzir… No começo, achei que a mudança para o Rio de Janeiro iria inviabilizar este costume. Sem dúvida, é bem mais difícil encontrar uma erva mate de qualidade por aqui, mas com a ajuda dos amigos e a persistência em percorrer supermercados sempre é possível conseguir. Com o chimarrão pronto, começa meu dia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu trabalho melhor pela manhã. Muitas vezes, portanto, preciso alongá-la. Assim, deixo o almoço para a metade da tarde. Na maioria das vezes, faço o seguinte: estudo, leio e escrevo pela manhã. Pela tarde, me dedico às burocracias universitárias que nos tomam muito tempo. Como elas exigem mais persistência e menos presença, funciona muito bem para mim. No período da tarde também costumo me dedicar a ajudar o Daniel nas tarefas da escola, então o meu tempo é mesmo o da manhã.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu costumo organizar as minhas aulas para poder escrever em dias concentrados. Ficando mais dias em casa, trabalho melhor. Se tem algo que não funciona para mim é escrever um pouco hoje, outro pouco dois dias depois e o resto na semana que vem. Há algo também que percebi na época que estava escrevendo minha tese de doutorado. Se um dia escrevo muito, o seguinte não rende uma linha. Então procuro intercalar. Um dia leio, o outro escrevo e assim por diante. A escrita me é tão cansativa e desgastante – poderia dizer que equivale a fazer exercício físico.
Claro que sempre me imponho metas, mas jamais consegui cumprir uma sequer. No começo me sentia culpada. Mas a leitura de “Um teto todo seu”, de Virginia Woolf, me salvou. Sou mulher e, portanto, constantemente interrompida e preciso lidar com isso. Assim, concluo que metas não são feitas para mim.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu sou maníaca por cadernos de notas e canetas coloridas. Esses utensílios fazem parte do meu processo de escrita. Para cada ideia, uma cor e um caderno específico. Quando acumulo notas e cores suficientes, tento começar. Nada muito racional, apenas sigo o rastro das cores e as ideias vão aparecendo. Mas isso só no começo. Depois é muito desgaste e tempo investidos. Não há milagres na escrita.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
As travas da escrita, para mim, são as mais fáceis de driblar. Vou deixando buracos no texto e os preencho quando é possível. Já a procrastinação é mais difícil. Tenho pensado cada vez mais em sair do Facebook, desligar o WhatsApp etc., pois não consigo resistir à famosa espiadinha. Como até agora não tomei tal decisão, concluo que sigo procrastinando até mesmo nisso…
Mas talvez seja o medo de não corresponder às expectativas o meu maior inimigo. Tenho sobre mim mesma uma cobrança que é paralisante. E, mesmo agora, quase completando meio século de vida não sei como combater essa questão. Nem em relação a mim, nem ao meu filho, nem aos meus orientandos que são praticamente massacrados por uma mãe e/ou orientadora quase obsessiva. Alguns dizem que gostam, que se sentem seguros assim. Eu, por outro lado, já não tenho essa certeza.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Como disse, sou obsessiva. Reviso cada texto muitas vezes. Toda vez que retomo a escrita revejo o que já está pronto. Como evidentemente nunca está, meus textos estão em constante revisão. Não tenho o hábito de mostrar os textos para outras pessoas. Infelizmente, no Brasil, essa prática é pouco utilizada.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Poderia dizer que sou zero tecnológica, mas, claro, seria um exagero. Porém, não tenho incorporada a tecnologia como muitos dos meus colegas. Não é algo que me move, nem desperta a minha curiosidade. É muito mais uma relação de necessidade do que de interesse. Por isso, sempre estou importunando alguém para achar textos, músicas, filmes etc. Dependendo da demanda que tenho em determinado momento, nem sei por onde começar a procurar. Muitas vezes imagino a rede como um mundo, mas me pego sem saber para onde ir. Prefiro o concreto ao virtual.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
A mim, interessa o tempo presente. Assim, sou muito atenta à fala dos jovens. Sempre os ouço com atenção. O que eles dizem, a linguagem que usam, os interesses que cultivam, a forma como veem o mundo. Tudo que vem dos jovens me interessa. Assim, talvez de todas as minhas características a que mais me ajuda a ter ideias é a capacidade de diálogo que mantenho com as meninas e os meninos que me rodeiam. E espero manter essa capacidade até meu último dia na universidade.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Meu estilo não mudou, o que mudou é a forma como vejo o papel da escrita. Disse logo acima que me interessa o tempo presente. E isso significa perceber que o tempo presente é tão mais fluído que atualmente se considera “textão” qualquer escrita que tenha mais de uma página. Talvez isso valha para as redes sociais, mas me parece evidente que a vida acadêmica está cada vez mais contaminada dessa rapidez. Assim, se quisermos ser lidos, é preciso ser mais objetivo, ser mais direto, ir direto ao ponto. Se pudesse mudar a minha tese, provavelmente iria reduzi-la a um terço do tamanho original e ainda assim seria uma tese.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu gostaria de retornar aos tempos nos quais “só estudava”. Sem aulas, sem burocracias, sem interrupções… Não sei se é exatamente um projeto, mas é algo que eu gostaria. Enquanto esse dia não chega (se é que um dia chegará), me movo por pequenos projetos: invento uma disciplina diferente, escolho novas bibliografias, proponho novos temas para dissertações e teses e assim vou seguindo. Procuro não esquecer onde vivo e em que condições trabalho. Infelizmente, no Brasil, não temos a carreira de pesquisador. O mais próximo que chegamos desse ideal é sendo professor. Assim, grandes e incríveis projetos talvez não sejam para aqui e agora. Será preciso muitas gerações para construí-lo. Também acho que não tenho e que nunca tive a ilusão da onipotência intelectual.
E, finalmente, sobre o livro que gostaria de ler e ainda não existe, não o tenho. Creio que estou bem satisfeita com o que já foi produzido. Se algum dia eu conseguir ler alguns dos muitos livros importantes que estão aí, já me sentiria plenamente feliz. É claro que tenho minhas preferências e elas variam de tempos em tempos. Neste momento, por exemplo, ando devorando tudo o que aparece sobre a 2a Guerra. E não faço discriminações. Desde textos refinados até romances duvidosos, tudo me interessa.
Fonte: https://comoeuescrevo.com/cecilia-caballero-lois/